Eu digo NÃO!

Em defesa da língua portuguesa, o autor deste blogue não adopta o "acordo ortográfico" de 1990 por este ser inconsistente, incongruente e inconstitucional, para além de, comprovadamente, ser causa de crescente iliteracia em publicações oficiais e privadas, na imprensa e na população em geral.


16/07/2014

Histórias do barro VII


Domingos Gonçalves Lima nasceu, em Galegos (S. Martinho), a 29 de Agosto de 1921. Cedo foi morar para a freguesia vizinha, Galegos (Santa Maria), no lugar de Santo Amaro.
É um dos barristas mais afamados desta região.
A alcunha “Mistério” deveu-se ao facto de o artesão, enquanto criança ser tão delicado, que todos diziam ser um mistério continuar a viver. Aos três anos ainda não andava e dava mostras de grande fragilidade. No tempo das “amoras”, um senhor, namorado de uma tia, pegava-o pela mão e dizia-lhe: “anda meu menino, és tão fraquinho que pareces um mistériozinho, anda apanhar amoras”. Todavia, o nome ficou, e o “mistériozinho” tornou-se um homem robusto, dono de um dom inigualável e de uma imaginação fértil. 
Filho de mãe solteira, foi criado pela avó materna, Rosa Gonçalves Lima, também ela barrista. 
Inicialmente, fazia coisas simples, juntamente com a sua avó, para vender na feira em Barcelos. Peças que retratavam a imaginação infantil e faziam notar a ausência de experiência na arte de moldar o barro, mas que tinham grande aceitação junto do público pela originalidade das formas. 
Começou a mexer no barro com mais afeição e determinação, aos 12 anos, graças à sua Tia Teresa, vulgo Teresa “Carumas”, também ela barrista consagrada deste concelho. 
Não chegou a frequentar a escola. A necessidade de trabalhar cedo não lhe deixou tempo para isso. Contava que sabia assinar o seu nome porque, um dia, alguém o escreveu e ele decorou-o. 
Para ganhar dinheiro andou pelas feiras a vender louça por conta de outrem. Mas, rapidamente, percebeu que o melhor era produzir as próprias peças, já que era constantemente procurado por pessoas que lhe perguntavam pela loiça que muito admiravam na época em que fazia a feira semanal com a avó. 
Casou, no dia 4 de Março de 1944, com Virgínia Coelho Esteves. Desta união nasceram doze filhos. Todos colaboravam diariamente neste trabalho que era o sustento da família. Enquanto os rapazes ajudavam na modelação de peças, as raparigas, juntamente com a mãe, dedicavam-se à pintura das mesmas. O processo de trabalho era o mais artesanal possível. As peças eram modeladas e pintadas manualmente e a cozedura era feita em forno a lenha. 
Mistério fez uma imensa variedade de figurado. Em todas as peças que criava depositava um toque de ironia. Inspirava-se naquilo que o rodeava. Abordava temáticas como o mundo rural, reproduzindo matanças do porco, juntas de bois e animais diversos. Criado numa família profundamente religiosa sofreu também influências desta índole, espelhadas nas alminhas, santos populares, presépios, Reis Magos, Ceias, Nascimento e Morte de Jesus. Também criou figurações do universo fantástico com fortes componentes satíricas, como por exemplo, o Diabo com Forquilha. Produziu ainda modelos tradicionais da região de Barcelos como pombais, apitos e rouxinóis, peças que ainda marcam a identidade do artesanato local. 
Com uma panóplia de cerca de 600 criações diferentes, ensinou a sua arte a crianças em várias escolas. 
Ganhou o primeiro prémio no III Salão de Artesanato do Casino Estoril com a peça Procissão Minhota, em 1983. Fez várias exposições por todo o país e também no estrangeiro como em Madrid e Vigo. 
Faleceu a 24 de Março de 1995, com 73 anos de idade, este vulto do figurado português. 
A sua herança e obra, para engrandecimento da arte popular barcelense, continua a emanar das mãos dos seus filhos e a recolher as colorações e pinturas de Virgínia, sua esposa, recentemente falecida, com a singeleza e arte que ele lhes legou.
(In C. M. Barcelos)

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