A "primeira grande
entrevista" de Paulinho chegou aos 24 anos. De discurso fácil, o
avançado, que está a surpreender neste arranque de época, mostrou que
também é descomplexado fora dos campos. Revelou-se um verdadeiro
contador de histórias, percorrendo um caminho que começou no pelado do
Santa Maria e que, espera ele, vai levá-lo à Selecção Nacional.
O que mais o surpreendeu no Braga?
-A humildade. Não encontrei ninguém com um
ego do tamanho do mundo. Ninguém! Quando vim para o Braga, achei que
podia haver cobras no balneário, porque o futebol é muitas vezes
assim... Mas, nada, zero. Zero! Não houve um único jogador que me tenha
recebido mal, desde aqueles que têm um grande currículo, até aqueles que
estão, como eu, a chegar.
Houve alguém que o tenha impressionado em termos futebolísticos?
-Aqui há muita qualidade, mas não há
nenhum jogador 20 vezes melhor do que tinha imaginado [risos]. Agora,
não tenho dúvidas de que há aqui quatro ou cinco que podem chegar à
Selecção Nacional.
Salvador disse que este plantel estava ao nível do que chegou à final da Liga Europa. Isso é uma grande responsabilidade...
-O
presidente anda cá há muito tempo e saberá isso melhor do que ninguém.
Nós temos a noção da qualidade, mas não sei dizer se este é o melhor
plantel dos últimos anos. Nessas palavras não sentimos maior pressão ou
responsabilidade, o que sentimos foi uma enorme confiança. Foi
importante ter ouvido aquelas palavras, deu-nos ainda mais motivação.
Como é que passou tanto tempo "escondido"?
-Bem,
vou contar a minha história. A passagem pelo Trofense [primeiro ano de
sénior] foi muito boa, guardo, por exemplo, grandes recordações do
Tiago, que, aos 37 anos, ainda era um espectáculo. Fui para lá por culpa
do professor Neca. Tinha tudo tratado para ir para o Portimonense e, num
domingo de manhã, ele ligou-me a dizer que tinha de ir para o Trofense.
Pensei: "Estou no Santa Maria, tenho a Trofa aqui ao lado de casa, um
treinador que me quer, por isso tenho mesmo que ir". E fui.
E depois do Trofense?
-Fiz
uma boa época e depois aconteceu o mesmo com o Gil Vicente. O João de
Deus queria contratar-me, era o clube da minha cidade, estava na I Liga,
e na altura não podia recusar. Se calhar, esse foi o meu erro. Estarei
eternamente grato ao Gil Vicente, que é um clube que adoro, mas aquele
ditado que diz que "os santos da casa não fazem milagres" é mesmo
verdadeiro. Ali, a minha margem de erro era menor do que a dos outros
jogadores que não eram da terra. O clube estava a passar por uma fase
muito difícil... Apesar disso, aprendi muito. Aprendi, sobretudo, nos
tempos em que jogava pouco. Provavelmente, a força mental que sinto
agora vem desse período difícil. Aprende-se muito quando não se joga,
sobretudo na forma como se é tratado. No ano em que o Gil Vicente desceu
de divisão até perdi o prazer de jogar futebol. E estávamos a falar de
um miúdo com 22 anos. Não é normal.
Imagino que não...
-Não
é. Descemos para a II Liga, tinha propostas para sair, mas o Nandinho
[treinador do Gil Vicente na altura] veio falar comigo e disse-me:
"Olha, quero trabalhar contigo e quero que voltes a ter prazer em
jogar". Tinha abordagens de clubes da I Liga e muitas propostas do
estrangeiro. Mas pensei: "Alto, tenho 22 anos; sei que tenho qualidade,
mas primeiro tenho é de ter prazer em jogar futebol". Lá fiquei e
passadas duas semanas o Nandinho comunicou-me que ia ser o capitão de
equipa. Estamos a falar de um balneário que tinha jogadores experientes
como o Cadú, Serginho ou Djamal... Aquilo motivou-me. Foi nessa fase que
o míster Abel começou a conhecer-me como jogador e acabámos por fazer
uma época muito porreira. No segundo ano na II Liga, na época passada,
acabei por me destacar, sobretudo pelos 20 golos que marquei.
E então surge o Braga...
-Antes
disso, recebi propostas incríveis... Então do Médio Oriente, nem
imaginam! Só me perguntava: como é que isto apareceu? Eu vou rejeitar
este dinheiro todo? Recebi uma proposta do Catar que, muito
provavelmente, todos os jogadores na minha situação aceitariam. Mas,
quando surgiu o Braga, pensei: "não, não posso recusar. Se não for para o
Braga nunca mais me vou perdoar na vida". E disse aos meus empresários,
que até são de Guimarães [Pedro Mendes, Fernando Meira e Nuno Assis],
que não ia jogar por dinheiro. Acredito muito em mim e desportivamente
quero chegar onde sempre sonhei. Depois falava com a minha família, com
os meus amigos, mostrava-lhes as propostas que tinha e eles diziam: "Oh,
estás a gozar? Tu vais recusar isso? Com esse dinheiro tu não precisas
de trabalhar mais na vida". Mas não podia aceitar, tinha que vir para o
Braga.
Porquê?
-Porque
tinha de testar os meus limites e porque acredito muito em mim. O
dinheiro é importante, mas se não fores feliz o dinheiro não vale nada.
Se tivesse ido para o Catar, a esta altura já podia estar rico, mas
todas as noites, antes de adormecer, ia pensar: "não fui para o Braga,
não fui para o Braga..." Se calhar, quando os três primeiros salários
caíssem na conta - e ela ia crescer muito -, nem pensaria muito no
Braga, mas sei que chegaria uma altura em que não me ia sentir feliz por
não ter perseguido os meus sonhos.
E que sonhos são esses?
-Um
deles é chegar à Selecção Nacional. Sei que, estando no Braga, tenho
maiores possibilidades. Na II Liga, por exemplo, era impossível lá
chegar... Acho que só o Ivan Cavaleiro é que conseguiu e porque jogava
no Benfica! Para já, é um sonho, mas depois de lá estar passa a ser
apenas mais um objectivo conquistado. Mas também sei que ainda tenho
muito pedra para partir. Primeiro, há que conquistar o meu lugar no
Braga, o que não é fácil. Vamos ver. O míster ainda não repetiu nenhum
onze esta época; aqui não há lugares cativos. Não me adianta fazer três
jogos bons, porque se o quarto for mau vou para o banco. É como o míster
diz: "Estatuto é o rendimento, a estrela é a equipa". Se pensarmos bem,
nesta equipa é mesmo assim. Não são tangas, é a realidade. E isso
faz-nos pensar que o futebol é o momento. O Braga está muito bem, mas
para a semana temos um resultados menos bom e já ninguém se lembra do
que ficou para trás. Nos jogadores é igual.
(retirado do sítio O Jogo)
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