Terra tradicional, criou o Galo de Barcelos que deu nome a Portugal! (Fernando Morgado)
Eu digo NÃO!
Em defesa da língua portuguesa, o autor deste blogue não adopta o "acordo ortográfico" de 1990 por este ser inconsistente, incongruente e inconstitucional, para além de, comprovadamente, ser causa de crescente iliteracia em publicações oficiais e privadas, na imprensa e na população em geral.
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21/04/2009
Júlio Alonso
Tradição nas mãos de Júlio Alonso. A típica louça preta de Prado poderá estar em risco. Por enquanto, a tradição está a ser assegurada por Júlio Alonso, natural de S. Mamede de Escariz, Vila Verde, e residente desde há 55 anos em Galegos Santa Maria, terra de oleiros por excelência. “Mestre da louça preta” como é apelidado, Júlio Alonso é actualmente o único oleiro no Minho a dar vida a um ofício que, na região, remonta ao longínquo século XIII. Já sem carácter utilitário, agora a louça negra cumpre apenas funções decorativas, às quais o barrista se dedica por completo. Júlio Alonso, 78 anos, não dá descanso ao corpo e à roda desde menino, altura em que começou a ajudar os pais, Manuel Alonso e Maria Oliveira Gomes, no fabrico de louça preta, o negócio da família. Uma tradição que – curiosamente – a vida o encarregou de ser ele a preservar, já que é, actualmente, o único oleiro em toda a região a trabalhar na louça negra. Natural de S. Mamede de Escariz, Vila Verde, e a viver desde 1951 em Galegos Santa Maria, iniciou-se no ofício muito cedo, executando as tarefas mais simples como peneirar, amassar e pisar o barro. De um rancho de oito filhos – quatro rapazes e quatro raparigas –, só Júlio Alonso continuou com a tradição familiar, que se arrasta desde o avô paterno António Joaquim Alonso, de origem espanhola, que veio ter a terras portuguesas por motivos que não se conhecem. Também a sua mãe nasceu no seio de uma família de oleiros, os Coelhos, de Parada de Gatim. Não admira, pois, que a linhagem assim como as tradições da sua terra natal tenham influenciado Júlio Alonso para o resto da vida que, como o próprio diz, “já deu voltas e voltas…” Aos oito anos de idade já fazia algumas peças sozinho e, ainda antes de concluir o ensino primário (frequentou a escola até à 3ª classe), começou a trabalhar com o pai na oficina. “Naquela altura gostava de ser sapateiro mas como tive que ajudar o meu pai não pensei mais nisso”, relembra. Quinzenalmente, Júlio Alonso ia juntamente com o resto da família à Feira de Ponte de Lima para vender peças que, naquele tempo, tinham um cariz unicamente utilitário: as talhas para guardar as azeitonas e o azeite, os alguidares para a matança, o cântaro para ir buscar água à fonte e para a armazenar em casa, o pote para guardar o fumeiro, o púcaro para levar o comer aos trabalhadores no campo, as cabaças para o vinho, entre outras.
De Vila Verde para Barcelos. Já adulto, em 1951, o barrista casou com Gracinda da Conceição Cunha Loureiro, também natural de S. Mamede de Escariz. Dois dias depois do casamento mudaram-se para Galegos Santa Maria, terra natal do pai da sua esposa. De 1951 a 1955, Júlio Alonso trabalhou à tarefa em algumas fábricas de cerâmica enquanto oleiro-rodista. “Trabalhava à peça, quanto mais fizesse, mais ganhava. Que vida! Para me ir levar o almoço, a minha mulher andava três quilómetros a pé com um filho ao colo só para eu não perder tempo”, recorda com nostalgia. Depois da jornada laboral, “ainda chegava a casa e fazia peças à roda”, como vasos, jarras e potes em louça vermelha polida e também em louça branca. À quinta-feira, a sua mulher Gracinda ia vendê-los à Feira de Barcelos, como forma “de ganhar mais algum dinheirito”, frisa sorrindo. E porque na época a venda dos produtos nas feiras e romarias era a mais rentável, Júlio Alonso deixou a fábrica de cerâmica e optou por essa forma de comercialização que os levou até vários pontos do país. Durante quatro anos, enquanto os filhos ainda não frequentavam a escola, saíam por altura da Festa das Cruzes e só regressavam a casa nos finais de Outubro. Ao longo de seis meses, eram uma espécie de nómadas, pois não tinham poiso certo, estavam um determinado tempo em cada lado. “Estávamos um mês em Lisboa, na Feira da Luz, depois íamos uns dias para Vila Franca de Xira, de seguida para Santarém, e só no fim da de Tomar é que regressávamos a casa”, explica, acrescentando de pronto: “era uma vida qualquer…”. Quando as feiras se realizavam mais perto (Porto, Guimarães e Viana do Castelo) vinham fugazmente a casa e aproveitavam também para ir buscar mais peças às fábricas. Entretanto, os filhos entraram para a escola e a família Alonso teve que abandonar esta forma de vida. Arranjou emprego a tempo inteiro numa empresa de cerâmica e, já a viver na casa que comprou no lugar de Souto de Oleiros, em Galegos Santa Maria, e por incentivo de um conhecido, retomou a produção de louça preta de Prado. A primeira encomenda foi uma grande quantidade de cinzeiros em preto, o que o obrigou a construir propositadamente um forno para experimentar. A “tentativa” deu certo e a partir daí as encomendas surgiram em catadupa. Vendia peças para todo o lado, como Chaves e Viseu, e de entre os muitos compradores havia um “especial”: um senhor espanhol que vendia os seus trabalhos numa loja em Barcelona. Ao mesmo tempo, esse cliente ia dando ideias e modelos para que o oleiro aumentasse o seu espólio, como moringas e morcegos com assobios, enuncia. Interrompeu o fabrico de louça preta entre 1978-1982, altura em que foi sócio da empresa “Tulipa”. O regresso à arte da sua vida tem persistido até agora.
O último oleiro do Minho. Com 78 anos, Júlio Alonso continua a trabalhar à roda – agora eléctrica porque o físico assim o exigiu. Reconhece que pode muito bem ser o último oleiro de louça preta por estas bandas, afirmando ter “pena que a tradição acabe”. “Por estes lados já não há mais ninguém a trabalhar neste ofício e no resto do país só há mais alguns”. O barrista refere-se aos “resistentes” de Vilar de Nantes, Bisalhães, Gondar, Fazamões, Molelos e Olho Marinho, locais que ainda se encontram em laboração. No Minho, o extinto concelho de Prado – cuja área correspondia à de algumas freguesias dos actuais concelhos de Barcelos, Vila Verde e Braga – outrora um importante centro oleiro, já só conhece um moldador de louça preta. Apesar da idade, Júlio Alonso teima em dar vida a um ofício que, na região, remonta a tempos remotos. Na obra “A louça preta em Portugal: olhares cruzados”, editada em 1997 pelo Centro Regional de Artes Tradicionais, Isabel Fernandes escreve que “desde o século XIII (1220) que aparece documentado o fabrico de louça preta em Prado”. Nos séculos seguintes, este tipo de cerâmica atingiu mercados alargados. Há documentação que demonstra que esta louça “chegava ao Porto, desde pelo menos o século XIV (1339)”. Mais tarde, já no século XIX, Rocha Peixoto refere que Prado continuava a fornecer um vasto mercado desde o norte até ao Mondego, passando por Trás-os-Montes e Beiras e também a zona da Galiza. A decadência do ofício dá-se em finais do século XIX, quando a actividade oleira teve que competir com a louça produzida nas fábricas de cerâmica, as quais, ainda por cima, se socorreram de mão-de-obra de origem artesanal, pois garantiam aos oleiros melhores condições de subsistência. Por outro lado, por volta da segunda metade do século passado, os utensílios em barro começaram a ser substituídos pelos produtos feitos em ferro, alumínio e plástico, mais práticos e melhor adaptados às lides domésticas. Júlio Alonso recorda essa altura em que foi obrigado a deixar de fazer peças de carácter utilitário de grandes dimensões usadas nas tarefas domésticas, como louça de ir ao lume, louça para transporte e serviço de líquidos, louça para preparação, consumo e armazenamento de alimentos. A solução passou por moldar miniaturas que reproduzem as formas tradicionais. “A louça grande fez-se mais ou menos até à década de sessenta depois deixou de se vender, por isso comecei a fazer as mesmas peças mas em ponto pequeno”, explica. E, com o tempo, foi também dando asas à imaginação, criando novas peças que cumprem funções unicamente decorativas, das quais se destacam os presépios, os Cristos, os santos populares, os animais e os galos. Os preços variam consoante o tamanho dos trabalhos (desde 1 euro até aos 25 euros). A recessão económica também tem atingido o artesanato, quem o diz é o oleiro: “já se vendeu muito melhor, agora as pessoas não compram tanto, deve ser da crise”.
“Preta por causa do fumo” . Dos seus quatro descendentes nenhum deles quis dedicar-se a sério ao fabrico da louça preta. “Cheguei a pôr o rapaz a fazer milhares de galinhos e chaminés em miniaturas e pagava-lhe um tanto por cada cem peças que fazia porque ele queria estudar e comprar carro”. “Era melhor isso do que andar na rambóia!”. Hoje, o filho “trabalha na cerâmica de moldes mas sabe trabalhar à roda”, afiança. “Compreendo que ele não queira dedicar-se a isto a 100% porque não dá para viver, mal paga o trabalho”. Há uns tempos disponibilizou-se para ensinar a arte mas a ideia nunca chegou a ser aproveitada por nenhuma entidade, para grande desilusão do artesão: “não queria que a louça preta acabasse, nessa altura estava disposto a ensinar como se faz”. E agora? “Agora, a idade já não o permite, já só faço mesmo para me entreter”, reconhecendo que é também por ter a responsabilidade de “salvar” a tradição. Quando questionado sobre a particularidade do tipo de louça que produz, Júlio Alonso replica com o devido rigor verbal: “é preta por causa do fumo”. Depois de moldadas, as peças vão ao forno a elevadas temperaturas e, durante duas horas aproximadamente, ficam lá dentro a cozer. Durante esse tempo “não pode haver labareda nem fuga de fumo, senão as peças ficam manchadas”. De resto, em Fevereiro deste ano (2006), Júlio Alonso foi reconhecido artesão de mérito pela Comissão Nacional para a Promoção dos Ofícios e das Micro-Empresas Artesanais. (Autor: Filipa Oliveira in Barcelos Popular 21/Julho/2006)